quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Machu Picchu – Em busca da cidade perdida

Dia 02 de Julho de 2005 as 17:00, eu partia rumo a cidade perdida dos Incas. Uma aventura onde eu iria explorar o interior da Bolívia e Peru. Uma aventura que começou a ser planejada a 3 anos atrás, uma aventura onde muitas pessoas me chamaram de louco, pois seriam 22 dias dentro de ônibus, trens, “paus de arara” e qualquer meio de condução e hospedagem que se fizesse necessário. Sim, um louco, louco por poder desbravar novos horizontes, louco por conhecer outras verdades, louco por conhecer outros povos, outras culturas, louco, sim, por viver a vida.

Saí rumo a Corumbá/MS, no caminho passei pelo pantanal, onde se podia ver vários tipos aves, entre eles periquitos, tucanos, tuiuiú nos lagos a beira da estrada, compartilhando a mesma água junto com os jacarés. Chegando em Corumbá, na divisa com a Bolívia, peguei um táxi até a fronteira, rumo a cidade do outro lado, chamada Porto Quijarro. Uma cidade sem nenhuma infra-estrutura, muita pobreza, mas o marco zero para mochileiros de todas as partes de mundo, a cidade do ponto de partida do conhecido “Trem da Morte”. Dizem que possui esse nome pois no início era um trem com muitos bandidos e traficantes, e um lugar onde muitas pessoas morriam, mas hoje de herança somente o nome e a aventura de poder viajar e se encher de experiências maravilhosas.

Durante a viajem vários vendedores dentro do trem, que vendem de tudo, desde almoço em pequenas vasilhas até balas, sucos dentro de balde que são pegos enfiando a mão com um copo e jogando para outro. Nas paradas em outras estações muito vendedores, vendendo as mesmas coisas pela janela. Uma imagem inesquecível, mas também um povo muito pobre, onde muitos deles só têm essa atividade como renda.

Um calor infernal durante todo o dia, no início da noite comecei a sentir como seria minha aventura, muito suor durante o dia e impossibilidade de banho, por quantos dias fossem necessário. Mas nesse dia, tomei meu banho, na minúscula pia dentro de um minúsculo banheiro dentro do trem. Onde minhas mãos me molhavam com pouca água, até ser possível fazer um pouco de espuma com o sabonete, e para finalizar minha minúscula toalha de rosto retirando o sabão e me secando. Que banho maravilhoso, a noite seria muito melhor ... exceto pela companhia de várias baratas passando pelo chão e paredes do trem.

Eu estava numa classe mais privilegiada, mas alguns colegas queriam mais emoção e interação com os nativos e foram na 1ª classe (1ª só no nome), uma classe onde ficavam os vendedores e as pessoas mais humildes. Durante a noite as pessoas se deitam nos corredores e entre os bancos, pois os bancos são horríveis, sem nenhum conforto. Uma classe onde se deve dormir com um olho aberto e outro fechado, senão fica sem sua mochila ou bolsa, e dormir com o tênis calçado e bem amarrado senão também fica sem ele.

21 horas depois chegamos a Santa Cruz de La Sierra, totalmente contrário, já precisávamos usar algumas blusas de frio. Santa Cruz, uma cidade belíssima, considerada também capital econômica da Bolívia. Um lugar com bons restaurantes e boates, bonitas praças e imponentes igrejas.

De Santa Cruz partimos de ônibus para Cochabamba, mas algumas boas horas dentro de um ônibus. Um pouco depois da metade do caminho, começamos realmente a entrar nos Andes e subir, e subir, e subir as montanhas. A cada hora que passava sentíamos cada vez mais próximo do céu, e anestesiados pelas paisagens ao nosso redor. Mais uma, duas, três horas, e finalmente alcançamos o céu, para mais horas e horas continuar subindo, mas agora por uma região mais bela, mas também mais perigosa, com muitas curvas, paredões que visivelmente mostravam deslizamentos e várias placas sempre dizendo “Área Geoecologicamente Instável”. Muita emoção !!!

Altas horas da noite chegamos em Cochabamba. No dia seguinte dia livre para passeio, dia livre para comprar na cidade onde as coisas são mais baratas durante todo o percurso. Blusas de frio, gorros, luvas, tapetes de lã de alpacas, artesanato, e muito mais. Aqui comprei as roupas de frio, pois sei o que me esperava, e até o momento não estava preparado para o “encontro” do futuro.

Visitamos o morro do Cristo de La Concórdia, de onde podíamos ver do alto toda cidade e as montanhas que o cercavam. Fizemos um outro passeio à residência de Simon Patiño. Um boliviano que junto com a mulher compraram uma mina de estanho, que diziam não ter nada lá. Mas junto com sua esposa e esperança compraram uma mina de “ouro”, e alguns anos depois ele foi considerado o homem mais rico do mundo. Ele então prometeu, pelo esforço da sua mulher ao seu lado, lhe construir um palácio, e assim o fez, mas quando conseguiu terminar ele morreu, e em homenagem a ele, a casa nunca foi habitada e se transformou em um museu. Um lugar belíssimo e luxuoso, onde foram utilizados os materiais mais nobres existente na Europa na época. Um homem que inspirou a Disney a criar o nosso conhecido Tio Patinhas. Dizem que ele ganhou tanto dinheiro que dá para sustentar 99 gerações, e sua família ainda está na terceira.

Partimos para La Paz, mas horas e horas dentro de outro ônibus, mas sempre andando em meio os Andes, com as paisagens sempre prendendo nossa atenção, mostrando que o tempo não passava de uma simples variável desprezível. Sempre subindo e subindo, contornando e subindo as grandes montanhas dos Andes, ao lado de grandes canions. Quase chegando em La Paz, vi pela primeira vez na vida, uma das cordilheiras com o pico nevado. Aquela gigantesca massa branca ao fundo de uma paisagem totalmente sem vegetação. Uma emoção tomou conta do meu corpo, da minha cabeça, do meu coração, uma emoção que somente a mãe natureza poderia nos proporcionar.

Podemos ver de cima a então cidade de La Paz, uma visão que choca, vai contra todas as nossas expectativas de ver uma cidade bela. La Paz, a capital administrativa da Bolívia, e construída dentro de um buraco, parece um favelão. Com todas as casas sem acabamento, somente no tijolo, e com casas para todos os lados nos morros. Algumas pessoas dizem que as casas não possuem acabamento porque o metro quadrado de acabamento é muito caro, outros dizem que não tem acabamento porque o governo não cobra impostos de casas inacabadas, agora, vai saber. Dizem também que La Paz foi construída no buraco porque quando os espanhóis lá chegaram a parte alta era pobre em água, pois a água escorria toda para o fundo do buraco, e lá resolveram se instalar.

O centro da cidade é muito bonito, com largas ruas, jardim, belos prédios. Agora não sei se é somente no centro, pois não tive a oportunidade de andar mais pela cidade, apenas a vi de cima.

Muitas pessoas já estão passando muito mal devido à altitude. Tonturas, dores de cabeça, vômitos, etc. Eu até esse momento não tinha sentido nada.

Um grupo resolveu fazer um passeio para conhecer as ruínas de um povo pré-inca, chamado Tiahuanaku, um parque arqueológico maravilhoso. Eu resolvi ir em um outro passeio, a uma estação de sky chamada Chacaltaya. Mas nessa época do ano (inverno) não tem neve, o morro fica coberto de neve somente no final do verão. Saímos de La Paz a cerca de 3.500 m.a.n.m , e em pouco mais de uma hora eu estava a 5.600 m.a.n.m. Fomos de ônibus até 5.300 m.a.n.m , na estação base de sky, os últimos 300 metros subimos a pé. Finalmente senti o efeito da altitude, é incrível, a cada 3 passos eu precisava sentar para descansar, e esperar o meu batimento cardíaco voltar ao normal, pois parecia que estava a mil por hora, e era necessário apenas mais alguns poucos passos para mais uma vez ele acelerar. Finalmente, quase 1 hora depois conseguir percorrer os 300 metros que me separava do ponto mais alto de toda a minha viajem. Uma visão inesquecível, podendo ver até onde a vista alcança a cordilheira do Andes, e bem ao longe podíamos ver parte do lago titikaka. Fim de passeio, hora de descer os 300 metros. Algo começou a me acontecer, acho que o “mal da montanha” me encontrou, comecei a sentir dores de cabeça, uma tontura muito forte, um mal estar terrível e uma vontade de vomitar. A volta pro hotel não foi nada agradável, mesmo tendo ao lado a belíssima paisagem e até mesmo a parada para fotografar lhamas no pasto. Chegada no hotel, muito vômito e cama !!!

Dia seguinte, partida para Copacabana, cidade as margens do lago titikaka, “onde tudo é azul”. O nome da famosa praia de Copacabana no Brasil, teve sua inspiração desse lugar. Parece que estamos numa praia do Brasil mesmo, muito sol, muitos pedalinhos, mas também muito frio e uma água de 3ºC que acabava com qualquer vontade de pular no lago. Mesmo dia, dia da prova dos 9, tínhamos que subir um morro com mais de 45º de inclinação, sob a influência da altitude, para as pessoas sentirem um pouco do que seria a trilha de 4 dias até a cidade perdida. Um teste muito difícil, que fez um bocado de gente desistir da trilha de 4 dias. Entre mortos e feridos, todos conseguiram chegar, sendo presenteados pela paisagem e o por do sol mais bonito da vida de todos, ao horizonte do azul lago titikaka.

No outro dia fomos conhecer a Ilha do Sol, uma ilha sagrada, onde vivia os grandes sacerdotes e pessoas importantes do povo Tiahuanaku. Uma ilha muito bonita, que se tem acesso somente depois de um bom tempo navegando pelo titikaka, uma ilha que até hoje preserva as ruínas e lugares sagrados construídos por esse povo a mais de 1000 anos atrás.

Partimos então para Cusco. Em 30 minutos estávamos na fronteira com o Peru, onde no passaporte demos saída da Bolívia e entrada no Peru. Entramos em outro ônibus para nossa aventura continuar. Muitas horas dentro do ônibus até Cusco, mas antes uma merecida para em Puno, uma outra cidade a beira do lago titikaka. Mas esta uma parada de apenas 2 horas, para conhecer as “Isla de Uros”, conhecidas como ilhas flutuantes. Um dos mais magníficos lugares que conheci durante toda minha vida. É incrível como os povos se adaptam a qualquer lugar que seja necessário. As ilhas flutuantes são um arquipélago de mais ou menos 40 ilhas construídas artificialmente, onde se encontra escolas, hospitais, pequenos hotéis, casas etc, mas são ilhas construídas totalmente de palhas, um tipo de palha chamada totora. Essa palha nasce na água e suas raízes são grandes blocos que flutuam, então esses blocos de raízes são amarradas formando a ilha flutuante, e por cima são jogadas as palhas para cobrirem. Mas por serem construídas de palhas, e essas palhas apodrecerem, eles passam o tempo todo reconstruindo todas as ilhas e casas. Se não me engano as ilhas são reconstruídas a cada 6 meses e as casas a cada 3 meses, ou vice-versa, não me lembro bem. Dessas palhas eles também constroem seus barcos flutuantes, sempre com caras de animais sagrados.

Muitas horas depois, finalmente chegamos em Cusco, e lá chegando, diante daquela bela e velha cidade me senti um conquistador espanhol.

Cusco era a capital do povo Inca. Quando os espanhóis chegaram e conquistaram os Incas, eles começaram a destruir toda a cultura Inca, mas o imperador Inca não queria que eles chegassem a cidade perdida de Machu Picchu, então o imperador Inca mandou destruir parte do caminho que levava até a cidade perdida, assim os espanhóis nunca conseguiram lá chegar, preservando um lugar inacreditável e evitando que os espanhóis destruíssem tudo para construir igrejas e casas com o estilo arquitetônico espanhol.

Em Cusco tudo infelizmente é caro, até para entrar nas igrejas tem que pagar. Mas existem vários passeios em museus, parques arqueológicos e outro lugares que não devem deixar de serem visitados.

Final de tarde, “os corajosos”, partimos para a trilha de 4 dias, 2 horas até a cidade de Mollepata, onde dormiríamos para no início do dia seguinte pegar um “pau de arara” e por duas horas seguir por uma estrada de terra, entre as cordilheiras dos Andes, passando pelos mais belos lugares até chegarmos no início, propriamente dito, de nossa trilha. Todos muito ansiosos para logo começar andar, para logo começar a ver as paisagens, para logo parar para pensar se realmente deveriam estar ali.

Dizem nossos guias que a trilha total tem 43 km. No primeiro dia andamos 12 km, sempre ao lado de grandes geleiras, sempre ao lado de grandes montanhas, passando por vales de pedras, passando por trilhas que revelavam que onde nossas vistas alcançavam era a próxima etapa que deveríamos caminhar.

Final de tarde chegamos no acampamento base, durante toda a trilha muito calor e muito suor, desde que usando casacos, sem casacos muito frio. O acampamento base era ao lado de uma grande geleira, um frio intenso já nos avisava para ficar esperto, pois a noite seria aterrorizante. Apesar de ter um pequeno rio ao lado não consegui nem lavar as mãos, pois além do frio que vinha da geleira, a água do rio era o resultado do degelo das geleiras. Logo meu banho daquele dia foi lenços umedecidos por algumas partes do corpo. A noite cai e o frio se mostra mais intenso, acho que ninguém estava preparado para algo como aquilo, de madrugada chegou a fazer 7ºC, negativo, não via a hora de amanhecer, para poder diminuir aquela horrível noite que estava tendo.

Mas um dia de caminhada, esse estava previsto 16 km de caminhada, por uma região mais difícil, com sobe morros, desce morros, bem ingrimes, capazes de fazer as pessoas refletirem o que estavam fazendo ali. Íamos do alto de uma montanha até seu pé, para atravessar um rio, e novamente subir até o topo do outro, e assim sucessivamente durante todo o dia. Chegamos no final do dia muito cansados, mas maravilhados com as belas paisagens que compensavam todo esforço que estávamos fazendo ali.

Terceiro dia, era “o dia”. Onde nossos guias disse que só os mais fortes deveriam ir. Teriam que subir uma montanha muito difícil, e depois dela descer, no ritmo do guia. Fiquei impressionado com a força de algumas pessoas que foram, senti orgulho deles, mas infelizmente eu não tinha condição física para esse desafio. Já tinha provado pra mim o que eu queria provar. As pessoas que não foram para “o desafio” fizeram uma trilha mais fácil, onde em algumas partes pegamos alguns caminhões que nos levava até certos pontos, para nesse andar mais um pouco ou pegar outro meio de transporte.

Chegamos em Águas Calientes. Última cidade antes de chegarmos a tão esperada cidade perdida. Dia seguinte, quarto dia, estávamos a apenas 5 km do nosso destino final. Saímos logo cedo, andamos 2 km, um caminho fácil, até o inicio uma escadaria, morro acima, com 3 km de distância, uma escadaria que põe no bolso os outros 3 dias de caminhada, uma escadaria que nos faz pagar todos os nossos pecados. Eu mais um amigo, grande Daniel, começamos acompanhando o guia nativo, esteve conosco durante vários dias. Mas não conseguimos acompanhá-lo durante muito tempo, até que ele sumiu na nossa frente, não estávamos agüentando mais subir, o cansaço já tinha tomado conta de nosso corpo, os músculos não atendiam mais aos comandos do cérebro. Existe a possibilidade de subir de ônibus, que vai por um estrada fazendo zig-zag pelo morro. Quando cruzamos a estrada eu mais o Daniel resolvemos tentar seguir pela estrada. Era muito mais distante, mais talvez a facilidade de subida nos proporcionaria andar mais rápido do que pela escada. Durante um momento que olhamos para cima os nossos corações começaram a disparar, o local que estávamos nos permitiu ver um pedaço de Machu Picchu, apressamos o passo mas chegamos a conclusão de voltar a escada. A emoção de ver parte das ruínas, e as recordações de tudo que tínhamos passado para chegar até aquele ponto nos encheu de energia que fez nosso corpo mais uma vez superar nossos limites e seguir com força morro acima. Enfim chegamos, não me contive em gritar, para que o som do meu sucesso propagasse pelas cordilheiras dos Andes, e pudesse dar ânimo para meus vários novos amigos que ainda estavam lutando contra a força da natureza.

Todos chegaram, e junto ao guia fomos visitar as ruínas da cidade perdida de Machu Picchu. Um lugar inacreditável, que nos faz refletir como um povo a mais de 500 anos atrás conseguiu construir uma cidade como aquela, no alto das cordilheiras dos Andes. Um lugar mágico, um lugar único no mundo. Sensações e emoções impossíveis de se traduzirem para as palavras, imagens impossíveis de serem impressas por completas em papel.

Fico triste em não poder dizer o que sentimos lá em cima, fico triste em não poder mostrar toda a beleza que vi pelas fotografias, mas fico feliz em poder dizer “conheça Machu Picchu enquanto há tempo, pois não sabemos o dia de amanha”.

Tivemos mais um dia em Cusco para passeio. Para no dia seguinte seguir de volta para casa, com apenas 1 noite em hotel, outros dias dentro de ônibus e trens, até chegarmos felizes e realizados em casa.

Gostaria de poder escrever tudo o que aconteceu e passar toda a experiência que tive, todas as coisas que vi e aprendi, mas para isso teria que escrever um livro. Aqui estão as principais coisas da viajem, alguns importantes momentos. Voltei uma outra pessoa, com outros valores, com uma experiência única na vida.

Espero ter despertado o espírito aventureiro que tem dentro de cada um, e ter plantado uma semente para que um dia nasça e os levem até Machu Picchu, os levem para uma vida de experiências ímpares que não seja casa, trabalho e rotina ...

Abraços.


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